TV e cultura: isso é possível?
A cada dia, ao retornarmos ao lar,
fatigados¹ de nossa rotina modernamente conturbada, há “algo” que está
sempre nos esperando. No passado, seria a nossa mãe ou, em alguns casos,
o cachorro. Mas o fato é que, na atualidade, quem inevitavelmente está
em casa lá para nos acolher é a TV. Muitos, inclusive, antes de dizer
“Oi, mãe!”, “Oi, Totó!” ou “Oi, amor!”, ligam o aparelho, para
prontamente escutar “A gente se liga em você”. Ou, então, encontram a
mãe, o cachorro e o seu companheiro, hipnotizados, babando como zumbis
na frente da telenovela. A TV, definitivamente, “se liga na gente”.
Legenda: A que programa ele estaria assistindo? Por: Laertes. Creative Commons. Atribuição 2.0 Genérica (CC BY 2.0).
Assim, ao invés de termos de perguntar um
ao outro como foi o dia e dar explicações fastidiosas² ou, então,
nos aborrecer para que brinquemos ou levemos o cachorro para passear, a
adorada TV apenas exige que sentemos em nossas poltronas e relaxemos.
Ela nos acolhe e permite que, por alguns momentos, nos desliguemos da
realidade monótona do nosso cotidiano e adentremos em um mundo de
aventura, romance, debates, esporte, música e “muito mais”.
A sociedade moderna venera a televisão e a coloca em verdadeiros altares - os seus racks
ou estantes enfeitados. Chegamos a gastar milhares de reais adquirindo
aquela de melhor imagem, som mais potente ou qualquer outro
super-recurso que, em tese, justifique seu preço exorbitante, sem que
isso, contudo, mude o principal na relação entre expectadores e TV: a
qualidade dos programas ofertados.
Legenda:
Sonho de consumo de gerações passadas. A TV é hoje uma importante
mídia, que exerce grande influência sobre o cotidiano das pessoas. No
Brasil, ela é um dos principais meios utilizados pela população para
informar-se quanto aos assuntos políticos e econômicos, por exemplo.
Por: por Robert Couse-Baker. Atribuição 2.0 Genérica (CC BY 2.0).
Se analisarmos o fenômeno da televisão e a
sua inegável influência sobre as nossas vidas, sob a perspectiva das
teorias de Karl Marx, muito embora sejam tais estudos anteriores ao
surgimento do aparelho, veremos que alguns princípios enunciados pelo
filósofo podem ser aplicados quase como se ambas (teoria e TV) tivessem
surgido uma após a outra. Podemos dizer que os programas atualmente
ofertados fazem com que a população adote, de forma homogênea, os
princípios e valores de uma elite econômica, impedindo que se reconheça
enquanto uma classe trabalhadora, explorada economicamente e iludida com
o “sonho burguês” de comprar o jeans de marca, o carro bacana, a bolsa ou o sapato de grife usados na novela pela atriz X.
Não percebemos que todos os programas nos
vendem produtos e valores morais, e isso acontece desde a roupa bacana
usada pela mocinha, ao desdém com que os ricos da novela tratam os
subservientes e leais empregados. Essa falta de percepção crítica da
realidade chama-se alienação, segundo as análises da sociologia. Ou,
então, perpetuamos o asco demonstrado pelos personagens pobres das
tramas com relação à condição na qual vivem na ficção: “Coisa de pobre!”
Como se fosse indigno ser pobre. A propagação de valores à grande massa
alienada, de modo que ela acredite em um discurso que mascara a sua
própria realidade e perpetua a condição de alienação a qual se
encontra é chamada de ideologia por Marx.
Ainda analisando os comportamentos
inspirados pela influência midiática, sob a ótica das teorias marxistas,
se, por um lado, os produtos recebem status e importância
pela mídia por serem da marca X ou Y, associados às figuras públicas de
grande audiência, sendo venerados em seus anúncios comerciais, por outro
lado, as pessoas transformam-se em meras mercadorias, que vendem sua
mão de obra aos detentores dos meios de produção em troca de um salário
aquém da quantidade de riquezas que produzem. A isso Marx chama de
mais-valia.
Assim, a mercadoria passa a determinar as
relações entre pessoas e o trabalhador passa a ser visto apenas como
uma mera ferramenta em uma grande engrenagem produtiva, e só não é
completamente dispensado, dando lugar a máquinas, por que se necessita
dele na outra ponta nessa cadeia: como consumidor (e telespectador).
Voltando à programação televisiva, alguma
alternativa para a sua falta de criatividade e, às vezes, de bom senso?
Alguma luz de dignidade e cultura aliada ao entretenimento? A chave
está justamente em nossa posição de consumidores.